WHISKY SECO – CONTOS CRÔNICOS #6

Whisky Seco

– Boa noite.

– Boa noite.

– Mesa pra quantos?

– Pra dois, por favor.

O Maître acompanhou o rapaz até a mesa e o deixou na companhia de um simpático e jovem garçom. Ele não gostou de onde estava sentado, reclamou do ar gélido que ia direto em seus braços. Foi levado até uma mesa perto dos aquários de decoração.

– Quer um bebida? – O jovem entregou o cardápio.

– Eu preciso olhar antes. Como é o seu nome?

– Júnior, senhor, é um prazer recebê-lo.

– Júnior não é nome. – Ele não tirou os olhos do cardápio. – Me traga um copo de whisky com pouco gelo… Júnior.

– Mais algo, senhor?

– Não. – O jovem se distanciou tentando sorrir como havia sido instruído antes da atual jornada de trabalho. O homem puxou o celular para olhar as horas. Sua cabeça repleta de cabelos já apresentava vãos que serviam de piada para quem via a distância.

– Demorei? – Uma suave voz se aproximou.

– Você sempre demora. – Ele pôs o celular no bolso.

– Foi o cabelo, demorei de achar o lado correto da franja. – Ela sorriu com suavidade.

– Você sabe que eu nem ligaria pra isso. – O homem levantou a mão chamando o garçom.

– Não, não. – Ela se agitou. – Eu não vou beber nada.

– Por quê? Aqui eles nem pedem identidade. – Os dois riram inocentemente e pararam quase ao mesmo tempo. Um suspiro profundo e fino saiu dos lábios dela, ele sabia que aquilo antecedia algo.

– Você sabe que esse é o nosso último encontro, né? – Ela disse.

– Com licença, – Júnior voltou com o whisky. – Seu pedido, senhor. – Ele colocou o copo acompanhado de um guardanapo na mesa.

– Não está cheio. – O homem não tirava os olhos do copo. – Não está cheio.

– Essa é a dose, senhor.

– Então completa e eu pago duas doses. – O jovem garçom pegou o copo de volta e saiu tentando sorrir, mas dessa vez teve que fazer um maior esforço para mexer os músculos do rosto.

– Você não era assim. – Apesar de aparentar ser meiga, a menina lançou um olhar de recriminação.

– Antes eu não tinha motivo pra ser.

– E não tem, não precisa fazer… –

– Posso pedir um refrigerante?  Seria menos estranho pra mim.

– Eu não bebia antes, muito menos agora.

– Você ainda tem muita saúde pra gastar. – Ele riu, ela não. – Talvez eles tenham uma água de coco. – O homem chamou Júnior novamente, que já vinha equilibrando o copo cheio na bandeja.

– Aqui, Senhor.

– Traga uma água de coco, vocês tem água de coco, né?

– Sim, temos, vai querer ela cheia também? – O homem olhou pra frente e balançou a cabeça negativamente. Júnior também fez um aceno silencioso e saiu.

– Júnior! – O homem não o deixou sair. – Você tem filhos?

– Não, senhor, ainda não.

– E pais vivos?

– Sim, moro com eles.

– Você é um bom filho? – Júnior parou e pensou um pouco. Olhou para o lado esquerdo do cérebro procurando algo que confirmasse sua próxima resposta.

– Acho que sou, senhor, por quê?

– Já se sentiu ingrato ao que seus pais fizeram por você?

– Não… – Ele demorou de responder. – Acho que não, senhor.

– Pode ir. – O homem voltou a olhar para a menina.

– Chantagem emocional? Desde quando chegamos nisso?

– Só quero te lembrar de como está sendo injusta.

– Eu quero que você siga em frente e quero seguir também, não há injustiça nisso. – Ela balançava a cabeça como se procurasse as palavras certas. – Mas você nunca se preocupou com o que eu quero.

– Me diz o que você quer!

– Quero não ter que te encontrar num lugar como esses, principalmente com você bebendo isso. – Ela empurrou o copo que derramou um pouco molhando a mesa.

– A bebida não é mais uma inimiga.

– Não fala essa besteira. – Ela voltou a mexer na franja.

– Você fala igual a sua mãe. – O homem pegou o celular de novo. – Ela mandou algum recado?

– Não, nós não nos vimos, eu perguntei se ela queria vir, mas ela disse que não.

– Sua água de coco, senhor. – Junior se aproximou lentamente.

– Obrigado, Junior.

O silêncio entre eles era como um clarão que antecedia a trovoada. Cada gole enunciava uma palavra que não queria sair da boca.

– Isso daqui está muito cheio para um dia de semana. – Ela tentou quebrar a tensão.

– As pessoas não tem mais datas específicas para fugir da própria vida.

– Menos drama, pai, menos drama, por favor, não torne isso em algo tão doloroso.

– Doloroso? – Ele pegou o copo de whisky. – Realmente, doloroso.

– Eu estou fazendo isso por você.

– Então me dê a chance de recusar.

– Há opções que só dão uma alternativa, pai. – Depois daquela frase, o único barulho ouvido foi do whisky seco batendo nos dentes e descendo na garganta muda do rapaz. Nada mais foi dito, nada mais.

– Senhor… – Júnior se aproximou. – a casa está cheia e eu queria pedir, por favor, se posso pegar essa cadeira. – Ele parecia pisar em ovos. – É que uma família chegou e eles querem uma mesa pra cinco, mas a única livre só tem quatro cadeiras. – O jovem garçom tremulava entre as palavras. – Mas eu prometo que se o senhor precisar eu trarei uma na hora, na hora mesmo, posso pegar?

– Eu até diria que não, Júnior. – Ele bebeu o resto de whisky que estava no copo. -, mas há opções que só dão uma alternativa, uma alternativa.

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