Nome: Henry. Localização: cozinha mexendo a enorme panela de cachorro quente. Na sua cabeça, pensamentos indigestos e uma touca que havia sido obrigado a usar pela dona da casa. Função: Estava ali pois precisava matar a aula chata e não tinha um bom motivo aparente, até aparecer o convite de Lisa.
Nome: Lisa. Localização: sala, decorando a mesa com os doces que havia mandado seus alunos fazerem como tarefa de casa. Ela afirmou que todos ficaram super empolgados em saber que aqueles doces, de fato, seriam utilizados em uma festa de verdade. Função: Dona da casa e viciada em organizar surpresas.
Nome: Dunga. Localização: banheiro, estava tomando banho, quer dizer, havia tirado alguns minutos para caçar alguns Pokémon no jogo que o fazia voltar imediatamente para a sua infância. Função: Era marido de Lisa e o homem da casa, sem aspas mesmo, era somente o único homem da casa, não naquele momento.
Nome: Érica. Localização: em frente a TV. Função: Irritar todos ao redor escolhendo os vídeos mais sem graças, as músicas mais inaudíveis e cantando todas as letras da forma mais errada possível.
Nome: Geraldinho. Localização: porta, finalmente acertou o apartamento e está prestes a apertar a campainha. Função: Alguém precisa ser zoado, todo grupo de amigos tem o atrasado, o lerdo, o bobão, Geraldinho era tudo isso em uma pessoa só.
Nome: Gordo. Localização: em todos os cômodos da casa. Função: Comer, dormir, correr, latir e roer qualquer coisa que não possa ser roída.
– Érica, abre a porta, por favor. – Lisa pegava cada doce e colocava delicadamente em cima da mesa.
– Deixa só essa acabar. – Érica assistia um vídeo de umas meninas com cabelos rosa e tentava copiar os passos.
– Tem alguém na porta! – A voz vinha da cozinha. Henry estava incomodado por ouvir pela terceira vez a campainha.
– Érica, por favor. – A paciência, que já não era a maior qualidade de Lisa, se esvaia a cada refrão não compreendido.
– Ninguém vai mesmo atender? Eu vou. – Henry foi até a porta.
– Não, não. – Érica foi em sua direção. – Pode ser o Júlio, você vai estragar a surpresa.
– Ele não vem agora, ele vem de carro com o irmão.
– Com o irmão, Lisa? Mas ele é muito chato, não deixa o irmão dele ficar aqui não.
– De verdade, o Júlio também, né? – Henry ajeitava a touca. – Eu até acho o irmão mais legal do que ele.
– Henry, volta lá e tenha a certeza de que o cachorro-quente não vai queimar. – Lisa havia terminado de arrumar todos os docinhos. – Érica, atende a porta, por favor.
– O irmão dele não teve a carteira suspensa? Só me responde isso.
– Sim, sim, mas a gente sabe que não foi culpa dele.
– Gente, a campainha parou. – Henry deixou sua missão de novo e foi abrir a porta. – E não tem mais ninguém aqui.
– Deve ter sido alguém que se… não, Henry, pega o Gordo, fecha a porta, Henry!!! – A oportunidade de ser livre tinha um sabor mais apetitoso do que o melhor dos ossos. O cachorro e sua barriga arrastada no chão correram em busca da liberdade.
– Volta aqui, Gordo, volta. – Henry foi atrás do animal.
– Érica, você fica responsável pelo cachorro-quente. – Lisa pegou uns adesivos de futebol para colar no alto da parede. – Não achei do time que o Júlio torce, por isso peguei da seleção mesmo.
– Eu não sei por que você tá tendo todo esse trabalho por ele, na moral, não vale a pena mesmo.
– De novo isso, não é possível, vai mexer o cachorro-quente, por favor. – Érica voltou para a frente da televisão. Entre não atender a porta, interromper Henry e não fazer o que Lisa mandou, umas três músicas já haviam passado. – Você ouviu o que eu falei?
– Você fará uma festa dessa pra mim no dia do meu… – A campainha tocou novamente. – Será que é o Júlio? – Lisa já estava em cima de uma escada colando adesivos.
– Não, eu já disse que ele vem mais tarde com o irmão, atende a porta, POR FAVOR, deve ser o Henry.
– Eu não, eu não quero dar de cara com o Júlio e nem com o irmão dele.
– Mas não é ele, Érica! Deixa de ser irritante.
– Irritante, eu sou irritante? – A campainha foi novamente ouvida, mas o barulho foi abafado pela porta do banheiro sendo aberta de forma abrupta. Dunga estava só de toalha, o olhar assustado e era possível ver seu coração batendo acelerado através da pele.
– Pessoal, cadê todo mundo? – Ele falou forçando para que sua voz pudesse sair da boca.
– Henry foi atrás do Gordo e o Geraldinho ainda não chegou.
– Não são eles tocando a campainha? – Seus passos vacilantes foram em direção da porta e sua mão trêmula a abriu. – Entrem, entrem logo. – Eram os dois.
– O que foi, amor? – Lisa desceu da escada. – Que cara é essa?
– O Júlio, o Júlio e o irmão dele se envolveram num acidente de carro, os dois morreram. – Dunga encostou na parede quase que pedindo para ser engolido por ela. – Eles morreram, amor, morreram. – A sala ficou em silêncio. As bolas azuis e vermelhas, os adesivos com emblemas de futebol, os doces amadores e o cheiro forte de cachorro-quente queimado não faziam sentido.
– Morreram? – Érica se aproximou. – Ele era tão legal, tão cheio de vida.
– Eu, eu… – Henry colocou Gordo no chão.
Todos se olharam procurando respostas. O bolo em cima da mesa ostentava uma vela que não podia ser acendida e, se caso fosse, não seria apagada. Algumas surpresas realmente surpreendem, a morte não deveria ser uma delas, mas é.