
– Tem mais alguma caixa, meu filho?
– Não, mãe, é a última.
– Tem certeza?
– Sim, sim, o resto eu pego semana que vem.
– Hã?
– É a última, mãe. – Rodrigo deu uma gorjeta e foi alvo de um olhar insatisfeito por conta da quantia, mas o motorista do caminhão viu no semblante do homem a dificuldade em conseguir arrancar mais do que aquelas duas notas de cinco.
– Eu estou feliz por você ter voltado. – A senhora foi aumentando a voz enquanto via seu filho se distanciar para guardar a caixa.
– Eu também, mamãe, eu também. – O olhar caído contrastava com aquela afirmação.
– Os papéis do divórcio chegaram ontem.
– Onde eles estão?
– Eu coloquei aqui, em cima da mesa.
– Vou aí ver. – Rodrigo mal havia sentado ao lado da mãe e já estava em pé de novo.
– Por que você não relaxa um pouco? Vai tomar um banho.
– Acho que vou fazer isso. – Ele sorriu sem mostrar os dentes, sem mostrar vontade e foi para o seu antigo quarto. Ele era o mesmo de anos atrás. Foram 15 anos de um casamento que parecia encantador, até que um erro serviu como um meteoro. E pior, por mais que ninguém da sua família soubesse, ou fingisse não saber, o erro havia sido dele. O espelho era a pior punição que podia haver ali. Não eram os pôsteres dos seus ídolos da juventude; um ator de novelas que se aposentou por não aguentar mais dar autógrafos, uma banda de rock em pose constrangedora ou o cartaz de um filme que não sobreviveu a sua seleção nostálgica. Também não eram os bonecos empoeirados em cima das prateleiras, era o maldito reflexo no espelho. Formava uma cena tão estranha que era difícil saber se o errado era ele ou se eram as paredes. O diário com suas últimas anotações ainda estava na mesma gaveta. Ele abriu e começou a ler, sabia que ali teria um passado reconfortante, mas que depois ele abriria o seu peito como um golpe final que dá a vitória ao vilão. Tentou rir das situações passadas, eram engraçadas, mas é tortuoso achar graça quando tudo ao redor te pede o contrário. O problema, e a solução, era sua mãe, ela nunca lidou muito bem com a ideia do filho ser batido pelas dores do mundo e ele não queria ter que escolher sua situação…e o espelho, o espelho, o diário, os bonecos, será que tudo era tão ruim assim ou o pessimismo tinha criado uma mancha em seu olhar?
– Filho, quer alguma coisa? – A voz da sua mãe alternava com batidas calmas na porta.
– Não, mãe.
– Já tomou banho?
– Já sim. – Ele respondeu revirando os olhos. – Vou deitar um pouco.
– Tá bom, qualquer coisa me chame.
– Certo. – Ele se culpava por não conseguir ser um filho feliz com o retorno ao lar, mas via aquilo como um astronauta que havia desbravado o universo e depois voltava para a simplicidade aprisionadora da Terra. A cama, talvez, fosse o único pedaço ali que o entendia. Deitou-se com as mãos encolhidas, com o joelho na altura dos peitos e permitiu que algumas lágrimas caíssem dos seus olhos. Pensou em alguma forma que fizesse aquela situação ser positiva. Tanta gente disse que há sempre um lado bom…parece que esse lado se escondeu. Poderia sair espalhando boatos para os amigos com os defeitos da sua ex-mulher…não daria certo. As coisas não tem sua resolução tão simples, não é uma xícara de café sem açúcar ou um pote de maionese que foi fechado com excesso de força. Rodrigo se levantou, naquela última caixa havia algo que silenciaria as vozes incomodas. Fugiria dos problemas, sem fugir, solucionaria tudo, sem solucionar, estenderia a mão para cumprimentar a vitória com os dedos fechados na descrença de quem não enxerga o futuro. Colocou uma arma em cima da escrivaninha e deitou-se novamente. Encarou aquele objeto como um cachorro olhando para um galeto, os dois tinham uma noção de proibido muito deturpada. Aos poucos foi pegando no sono e de longe o espelho, ainda vigilante, refletia o homem, os bonecos, o diário, os pôsteres e a arma e nenhum daqueles itens parecia estar em qualquer harmonia.