
Sexta-feira não tinha garçom triste e nem copo vazio. Era assim no Bar 170, localizado no coração boêmio da cidade mais boêmia do país. Era tanto som ao mesmo tempo, mas ainda assim o que mais se escutava eram as tampas caindo sobre as mesas de madeira, um som quase que tranquilizante para quem teve a semana cheia. Fonseca já entrou folgando a gravata e guardando as chaves do carro no bolso, percebeu ali um papel amassado, deveria ser algum recado que recebeu ou que esqueceu de dar. Não deu importância, era sexta-feira, estava proibido pensar no trabalho, a menos que fosse para formular boas frases negativas sobre o chefe.
O local era muito menor do que a vontade de saciar uma cerveja amarelo dourado. Por isso as mesas deixavam somente espaços para o zigue-zague dos garçons. Os melhores resenhistas do grupo de amigos de Fonseca não se juntaram ao bando naquela noite, o que fez com que as conversas ficassem chatas e entediantes. Diferente da mesa ao lado, duas pessoas conversavam em um tom mais alto que as cervejas produziam e isso atraiu o entediado Fonseca.
– Jamais! jamais! se eu chegar em casa e tiver prato na pia… num quero nem pensar nisso
– Sem contar banheiro sujo, eu não aceito banheiro sujo, fica o dia todo em casa e não faz nada?
– Deixa eu te contar uma, uma vez fui trabalhar com a roupa amassada e eu tinha avisado que ia precisar daquela roupa, parece que não faz questão do casamento, sei lá.
Fonseca se inclinou um pouco para trás para fugir do barulho que sua mesa fazia. Não acreditava que estava ouvindo algo tão arcaico em pleno século XXI.
– Não passa uma vassoura no chão, parece que eu comprei a vassoura de enfeite.
– O fogão é só gordura, sabe chão de açougue? Igualzinho, eu nem sei como alguma comida aceita ser feita naquele fogão.
– Comida? Lá em casa é delivery, daqui a pouco o ifood vai nos patrocinar, eu me recuso a cozinhar, nem tenho tempo pra isso.
A atenção de Fonseca foi solicitada pelos amigos, parecia que era a sua vez no jogo que ele tinha dado pouca atenção. Precisou que alguém explicasse as regras, mas queria mesmo era saber o desfecho daquele show de absurdo. Fonseca pediu licença para ir ao banheiro e passou por onde vinha aquela conversa. Por conta do pouco espaço, quase se esbarrou com o garçom que fechava a conta daquela mesa.
– As senhoras não vão querer mais nada mesmo?
– Não, não, está ótimo.
– A cerveja poderia ser mais gelada.
– Será, pode deixar. – As duas sorriram espremendo os olhos, enquanto o garçom tirava uma toalhinha laranja do bolso para passar na mesa.
Fonseca entrou no banheiro e viu um rapaz olhando atentamente para o espelho. Parecia procurar algo em seu rosto, algo que não estava ali.
– Algum problema? – Ele foi direto para o mictório.
– Acho que todos nós homens temos algum. – O rapaz continuava olhando para o espelho. Fonseca apoiou o antebraço na parede e a cabeça no antebraço. Esperou a urina sair como se ela tivesse vida própria. Ficou ali por poucos segundos, fechou o zíper e foi lavar as mãos. Deu de cara com seu reflexo no espelho e pensou na frase do desconhecido homem.
– É… então é esse o problema.