
Caros amigos,
Hoje é terça-feira, tirei os óculos para olhar para o céu, foi a primeira vez que me lembrei de há alguns pesos que não precisamos levar. Carreguei e carrego tantas coisas nas costas que nenhum ser em sã consciência discutiria sobre as minhas dores. Na verdade, talvez eu travasse um bom diálogo com as formigas, elas poderiam me aconselhar com palavras que me fizessem escalar muros e aguentar cerca de cento e vinte oito quilos. Mas eu tenho carregado mais que isso. Só me resta uma mão e um pé livre, eles não se entendem, um quer ir e o outro quer ficar.
Quando encontrarem essa carta, se perguntarão o que poderiam ter feito de diferente. A resposta é simples; nada. As dores estavam entrando pelos ouvidos, olhos, pele, preferi parar. Acreditei que ao longe estava um semáforo sempre no sinal vermelho e fui andando até ele na esperança de que havia uma esperança, mas não há e nunca houve. Se eu tivesse nascido um avião, eu não respeitaria esse semáforo, mas sou um ser pedestre, andante, dominado pelo tempo. Mas até quando?
Ainda é terça-feira e pela primeira vez eu me vejo maior que o sol. Talvez eu que esteja iluminando cada uma de suas cavidades. Talvez não. A vida é realmente um suspiro entre dois suspiros. Há um espelho no céu, ele reflete um olhar compondo o céu azul e um vento uivante sussurrando palavras incompreensíveis. Nem tudo é feito para entender. A lógica do voo, quem quer saber como se voa? Todo mundo voa e não sabe. Preferem sentir as dores do passado ao invés de simplesmente bater as asas. Mas eu… eu vou combinar os dois.
O céu continua sendo um belo protagonista e, finalmente, deixei de ser um carro e sou um avião. Meu relógio diz que a hora está certa, posso finalmente acreditar nele. Sinto um queimor vindo das costas, uma curiosa excitação atravessando as minha canelas trêmulas. Caros amigos, sei que vocês querem o que eu também quero. Hoje é terça-feira.