
Queria começar o texto com a quantidade de dias, horas, minutos e segundos relativos a nossa quarentena, mas não tenho esses dados e nem estou afim de ter. Seria uma perda de tempo utilizar alguns poucos minutos na internet só para procurar uma informação dessas, depois abrir a calculadora para efetuar os cálculos, sendo que o resultado não faria bem a ninguém. Tenho aprendido a perder menos tempo possível nessa quarentena, não estou falando sobre não procrastinar, afinal, isso nem sempre é uma perda de tempo, às vezes é aquele passo pra trás que nos impulsiona a produzir o que temos como objetivo. E se não produzir nada, tudo bem também. Falei, falei, e ainda não disse nada, é… tomei um tempo seu que poderia ser utilizado para se autoconhecer e mudar, afinal, estamos em um tempo de mudança, o mundo está dentro de um casulo e será impossível ser igual ao que éramos. Vem cá… qual é a mudança que você já percebeu em si mesmo?
Mudar é próprio do ser humano, então não é uma daquelas injustiças de pedido de alta produtividade em uma época de tensão e preocupação. Mudamos sempre. O que é o reveillon se não uma festa que simboliza a mudança. Do dia 31 de dezembro pro dia 1 de janeiro se passam as mesmas 24 horas igual a todos os outros dias anteriores e posteriores, mas a simbologia dessa festa nos faz acreditar que tudo será diferente. Então, se sempre há uma mudança, por que não fazer uma forcinha pra que ela aconteça agora?
Nunca o streaming foi tão essencial, imagina se essa pandemia chegasse na época em que só se assistia desenho de manhã e no final da tarde? Ou em que se era refém do ineditismo da sessão da tarde ou do cinema em casa? Teríamos que reabrir os sanatórios. A questão é que se entreter através das séries e filmes é uma ótima forma de conseguir mudar, mudar a partir de reflexões audiovisuais. Na condição de homem negro, eu posso ser pego facilmente na hipocrisia de ser contra o racismo e reproduzir machismo. Visando não cair nessa armadilha, estou aproveitando esse tempo para consumir muita série que envolve o mundo feminino e as dificuldades de ser mulher numa sociedade tão patriarcal.

Tenho dedicado algumas horas a séries como Anne With An E, já tendo terminado e até comprei o livro que mostra os acontecimentos posteriores a série. Os episódios abordam diversas temáticas fundamentais para que possamos praticar a empatia corretamente, mas o que mais me chama atenção é o fato de como as mulheres aceitavam um determinado local social baseado no masculino e como mudanças óbvias precisaram ser impostas para que virassem realidade. Além da série ser ótima, ela ainda nos apresenta uma das personagens mais cativantes de todos os tempos. Anne é um amor. Outra série é Nada Ortodoxa, que conta a história de uma judia atolada até o pescoço nessa cultura e num casamento que vai destruindo ela aos poucos. Ela resolve fugir para a Alemanha (sim, para a Alemanha) com o propósito de se autoconhecer. Maldosos dirão que essa série traz uma cópia da famosa cena de Carolina Dieckman raspando o cabelo em Laços de Família. Porém, a ressalva que faço é quanto ao comportamento masculino em relação ao sexo, é ótima para refletir sobre isso. A última, e não menos importante, é As Telefonistas, novelão com direito a quinze reviravoltas por episódio. É excelente, porém o que mais impressiona é ver a dificuldade das mulheres quebraram e barreira da submissão. Talvez, você nem saiba, sua fala, seus argumentos, suas opiniões sejam uma dessas barreiras até hoje. Essa eu ainda não terminei, então se alguém for comentar algo comigo, cuidado com o spoiler.
Anne, Nada Ortodoxa e As Telefonistas me fizeram um homem melhor. Me sinto tão bem com esse novo olhar que quero que tudo isso passe logo só para eu poder mostrar ao mundo como mudei. Calma, não estou sentado na certeza de que já é o suficiente, – afinal, Fleabag e A Vida e a História de Madam C.J.Walker já estão na lista – pois nunca será. Existem uma infinidade de filmes e séries que servem exatamente para nos tirar dessa falsa certeza. Então, a gente pode só assistir algo pra passar o tempo nessa quarentena ou podemos associar isso a uma ideia de tentar alcançar a nossa melhor versão. Aproveitar que o mundo está num casulo e se colocar também. Já que estão falando do tal “novo normal” que tal um “novo você”? Nada mal.