
É difícil a arte produzir alguma unanimidade, principalmente com a ascensão da internet, onde o ódio é uma prática rotineira e visa, quase sempre, pessoas que são muito acarinhadas por um grande público. Leonardo DiCaprio é um nome singular numa redoma de atores que vivem numa gangorra de projetos, deslizando entre atuações geniais e galhofas inacreditáveis. Sua empreitada em busca do Oscar gerou campanha na internet, memes aos montes, contagem regressiva e uma boa vontade da academia de olhar o todo de sua carreira e perceber que ele merecia ter na estante da sala uma estatueta dourada. Sua reputação não será arranhada pela minha constatação, afinal, questões como a que irei afirmar, estranhamente, não abalam estruturas, mas os dados mostram: Leonardo DiCaprio não contracena com negros. Isso é por que ele é racista? Não – até que provem o contrário, não -, então vamos entender o motivo.
Primeiro, é necessário dizer que só escolhi os filmes que vieram depois de Titanic – e o próprio, é lógico – por entender que a carreira dele antes disso era muito incipiente, tirando alguns bons momentos, como sua atuação em Gilbert Grape, Shakespeare Apaixonado e Diário de um Adolescente. Após Titanic, em ordem cronológica nós temos: O homem da máscara de ferro, A praia, Prenda-me se for capaz, Gangues de Nova York, O aviador, Os infiltrados, Diamante de Sangue, A última hora, Rede de mentiras, Foi apenas um sonho, Ilha do medo, A origem, J.Edgar, Django Livre, O lobo de Wall Street, O grande Gatsby e O regresso.
Sua primeira indicação ao oscar é pelo filme Gilbert Grape – Aprendiz de Sonhador, de 1994, mas o clamor só veio após a derrota em 2007, na elogiada atuação em Diamante de Sangue. Mas nada disso é importante pra esse texto. Minha questão é muito maior. Se Leonardo DiCaprio ficou reconhecido como um ator de grandes projetos, se seu nome foi colocado como um ator que a academia havia errado em não premiar, por que ele tem tão poucos filmes contracenando com negros? Negros não iriam contracenar tão bem ao ponto de ajudá-lo na sua grande busca atrás de um Oscar?
É bem verdade que Leo já esteve com negros antes. Em Django Livre ele é um escravocrata narcisista e hedonista que se diverte numa rinha de escravizados. E em Diamante de Sangue – filme que lhe rendeu uma indicação -, que se passa em Serra Leoa, ele é um sul-africano que tem a ajuda de um pescador negro para recuperar uma pedra rara. É… então deixa eu ver se entendi. Leonardo DiCaprio precisou ser um dono de escravizados ou viajar para o continente africano para se relacionar com negros? Ele precisou chegar ao limite do “é… acho que aqui não dá pra não ter um negro” pra poder contracenar com um? Por favor, não ache que o filme A Praia deveria estar aqui, assista ao trailer e veja quem realmente é tido como importante nesse filme.

Há um termo que precisa ser usado com muito cuidado que é o “complexo de princesa Isabel”. Isso se refere ao fato de acharmos sempre que brancos precisam agir para que negros sejam mais reconhecidos, tenham mais oportunidades e etc. De fato, isso não é bom, mas se levarmos em consideração que a industria do cinema é capitaneada por brancos, então precisamos que as oportunidades nasçam deles. Talvez o próprio DiCaprio nunca tenha problematizado o tema desse texto, mas alguém na postura dele precisa manter os olhos sempre alertas. Sua preocupação ambiental já mostra que há um coração nele preocupado com o rumo da sociedade, isso é ótimo.
A mídia é grande culpada também, por que ninguém nunca fez campanha para Samuel L. Jackson? Ele também nunca ganhou um oscar. E antes do Denzel Washington ou Morgan Freeman ganharem os deles, não houve nenhum site fazendo contagem regressiva, matéria em jornais ou pressão popular. Alguém aqui ousa dizer que esses três atores e DiCaprio não estão no mesmo nível? Mas me parece que só um deles esteve sempre associado a uma imagem de “O melhor ator de hollywood”. Por que será?
“E o Oscar para o mimimi do ano vai para…” Se esse for seu pensamento ao final desse texto, então tchau, por que ainda vai ter muito assunto que precisará ser problematizado para que a gente consiga tirar uma lente racista dos olhos, pois só assim para enxergar os pormenores que fazem da nossa sociedade algo tão excludente. A cultura pop é uma das grandes culpadas da gente não ver negros em papéis de protagonismo e, sem nem perceber, nos acostumamos com uma ideia de que há uma cor específica para grandes papéis, grandes obras, grandes projetos. Leonardo DiCaprio não contracena com negros, e ele nem é o culpado, mas uma das suas frases mais famosas afirma que para estar entre os 1% melhores, é necessário fazer o que os outros 99% não fizeram. Eu tiro dessa frase uma interrogação e uma afirmação: Quem são os melhores? E ainda há muito a se fazer. #WakandaForever
Por que não é mimimi?
Uma lista do Adoro Cinema sobre os 25 atores, atrizes e diretores (não há diretoras na lista) injustiçados por não ganharem, só temos Samuel L. Jackson como ator negro supostamente injustiçado. Posso deduzir que atores como Michael B. Jordan ou Will Smith e atrizes como Gabourey Sidibe e Taraji P. Henson não tem um Oscar e tudo bem, não há injustiça nisso – aos olhos da mídia -, talvez eles não sejam muitos bons atuando. Se eu reconheço em um ator ou em uma atriz uma figura que só está atrelada a grandes projetos, eu preciso estranhar o fato dele ou dela não contracenar com negros. Ou não parece estranho pra você? Talvez você acredite na falácia da meritocracia, no Papai Noel ou na Fada do Dente. Então… não é mimimi.
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