
O universo otaku é um pedaço da cultura japonesa longe dos limites asiáticos. No Japão, cultura nerd não tem sobrenome, é só cultura mesmo. Um bom pedaço da nossa infância foi recheada de Dragon Ball (solo, Z e/ou GT), Cavaleiros do Zodíaco, Sakura Card Captors, Sailor Moon, Yuyu Hakusho, One Piece, Naruto, Death Note e outros animes, que animavam e animam turnos e mais turnos do cotidiano. Dentro desse universo temos os cosplays, que não são só fantasias, é quase uma missão, você não está vestido do personagem, você É o personagem e precisa honrar essa fidelidade (assim muitos otakus pensam) enquanto estiver envolto de tal manto. A questão é que o Japão tem uma população majoritariamente branca e isso faz com que seus desenhos, filmes e séries representem o que é visto na sociedade. A contradição se instala quando isso chega ao ocidente e influencia países como o Brasil, que tem uma quantidade de não brancos maior do que a de brancos. Se os cosplayers cobram tanta fidelidade em sua caracterização, como é ser negro e fazer um cosplay?

A solução para a pergunta anterior poderia ser muito simples, mas não é. Já que é só um cosplay, não deveria ter problema uma pessoa negra se caracterizar como um personagem branco, afinal, não deve existir barreira na cultura que você consome, personagens brancos não são feitos só para pessoas brancas, personagens negros não são feitos só para pessoas negras e assim por diante. Porém, na prática isso não funciona tão bem. A cosplayer Vanessa Abude, mulher negra, nos falou sobre a barreira que atrapalha negros a fazerem cosplay:
“Existe a barreira do preconceito e a barreira que nós mesmos colocamos, quando nos preocupamos o que as outras pessoas vão achar ao fazermos um personagem que não condiz com nossa cor, principalmente pra quem tá começando, porque tem a questão da timidez também, muita gente acaba desistindo, mas aí é só encarar de frente, e não ligar, o feedback é muito positivo porque as pessoas que falam mal são minorias, e no final não vai nem fazer tanta diferença assim.”
A outra solução era que os personagens negros fossem mais presentes em obras japonesas, porém, como já dito anteriormente, animes, mangás, tokusatsus refletem a maioria branca existente no Japão, cobrar algo diferente disso seria como olhar para um país como Angola e pedir que os personagens de seus desenhos fossem brancos. Ainda assim, cresceu bastante o número de personagens não brancos, o que é uma vitória que não pode ser plenamente comemorada, pois ainda há muito a se mudar.

“Sempre tive bastante dificuldade ao fazer cosplay de personagem negro, porque são pouquíssimos, porém atualmente esse cenário de personagens negros tem melhorado bastante, novos personagens estão surgindo e alguns sendo substituídos, isso torna a escolha menos difícil.”
Na minha infância, fui otaku e fiz três cosplays: Kojiro do Super Campões, Nam do Dragon Ball e Dendê do Dragon Ball Z. Kojiro tinha a pele escura, mas traços de uma pessoa branca, Nam era indiano, a cor da sua pele era muito parecida com a minha, mas o Dendê era verde, isso mesmo, VERDE! Eu me senti mais a vontade parecendo um pepino do que me caracterizando de um personagem branco, pois, mesmo sendo uma criança, temia os olhares preconceituosos me julgando.
“Já presenciei muitas vezes pessoas sofrendo preconceito com piadinhas, principalmente em redes sociais.”
Um universo que transborda o lúdico e o imaginário não pode ficar preso nas correntes do racismo. Imaginar que até na hora do entretenimento negros podem sofrer, é perceber o quão doente está a nossa sociedade. Parece que quadrinhos como X-men, animes como Bucky ou séries como Machine Man não conseguiram penetrar suas mensagens de respeito a diferença e amor ao próximo. É hora de se vestir contra qualquer tipo de preconceito. #WakandaForever.
Por que não é mimimi?
Encontrar alguém que foi criança na década de 80, 90 e 2000, sem que ela tenha sido influenciada por algum fenômeno oriental é muito difícil. A questão é que uma criança é muito influenciável, ela tende a repetir os movimentos, pensamentos, até algumas falas de seus heróis da TV. Quem nunca exibiu orgulhosamente uma camisa estampada com seu ídolo, um boneco, uma peça decorativa, o que quer que seja. Pense como seria legal se todo mundo pudesse se ver e se orgulhar de estar se vendo. Não cobro isso dos animes, como dito no texto, cobro isso dos países em que a cultura afro é forte, mas isso não é refletido em seu conteúdo voltado para crianças e jovens. Acredito que você concorde que uma criança negra tem o direito de querer fazer um cosplay de algum personagem que tenha seu tom de pele ou querer exibir na camisa um protagonista que reflita a sua posição diante da sociedade. Todos temos o direito de nos enxergar. Então… não é mimimi.