Black Nerd 005 – Negros e Negras não viajam no tempo

Quem nunca respondeu a esta pergunta: Se você pudesse voltar no tempo, o que faria? Essa simples premissa já serviu de norte para histórias incríveis da cultura pop. Livros, filmes, séries, quadrinhos, a quantidade de narrativas que jogam seus personagens para algum período do passado é enorme. Normalmente, essas histórias estão envoltas a questões tecnológicas muito avançadas, tendo, muitas vezes, como personagens cientistas com grau elevado de conhecimento. Apesar de se basear no ficcional, parece que imaginar negros viajando no tempo é a ainda mais irreal do que a própria viagem em si. Talvez seja por que os negros não querem correr o risco de esbarrar no passado… talvez não.

Memórias do Século XX, de Samuel Madden

O cinema já construiu diversas narrativas de viagem no tempo em seus diversos gêneros. Comédia, terror, ficção científica, ação… Um bom roteirista consegue encaixar essa premissa em todos os gêneros possíveis. O primeiro registro de uma narrativa com essa temática vem do século XVI, no livro Memórias do Século XX, de Samuel Madden. Lá um anjo vai do ano de 1998 até 1728 para avisar sobre as realidades do distante futuro. Não são só anjos de viajam no tempo, cachorro, macaco e até um guaxinim (sim, estou falando do Rockett) já tiveram suas experiências navegando por mares temporais, mas protagonistas negros e negras nessa posição…. é… difícil.

Ainda não existe a chance de visitar eras passadas e a construção de algo que nos dê essa possibilidade sempre nos é apresentado junto a uma gama de cálculos tão grandes que me vem logo na cabeça o meme da Nazaré. Associar a figura do negro ao grande cientista é algo que não é comum no cinema. A sétima arte sempre traz atrás dos jalecos de autoridade a mesma cor, com raríssimos exemplos como o pai do Ciborgue, em Liga da Justiça (2017), e o pai da Sue e do Johnny Storm (2015), no filme do Quarteto Fantástico. Dois filmes bem esquecíveis e nem são sobre viagem no tempo, então podemos fingir que eu sequer os citei. Quando Will Smith é jogado no passado em MIB 3, é numa posição quase que de cobaia, fazendo seu personagem ter pouquíssima relação com a estrutura do experimento. É bom salientar que MIB 3 é outro filme esquecível.

O ponto fora dessa curva é A Gente Se Vê Ontem, filme distribuído pela Netflix e produzido por Spike Lee. Nele há uma narrativa super simplória e com um tema que, podem imaginar, casa muito com a viagem no tempo; o racismo. Imagine uma garota e um garoto negro tentando voltar no tempo para impedir que o irmão dela seja morto pela crueldade de policiais branco? Não estou falando da irmã do George Floyid, da irmã dos garotos do Cabula ou do músico que recebeu oitenta tiros, estou falando de ficção mesmo. Além de versar com a ideia do racismo, o filme ainda nos apresenta dois jovens negros com uma inteligência rara, sem recorrer ao estereótipo nerd que conversa muito pouco com a comunidade negra. Não é preciso ter trejeitos brancos para parecer inteligente.

A gente se vê ontem, 2019

O lado mais legal da ficção é a subversão do real. Quando imaginamos que viagem no tempo pode ser algo real, podemos transformar em realidade vários outros aspectos não identificados no mundo em que vivemos. Negros em posição de poder, infelizmente, ainda é um deles, o que nos pode ser mostrado através da arte para ver se assim percebemos, de uma vez por todas, que cor da pele não conta negativamente em nada.

Reforçar a ideia de que a super inteligência tem uma cor é um desserviço, não só para uma comunidade, para toda uma sociedade. A canaltech fez uma lista com os dez melhores filmes com viagem no tempo e nenhum deles tem protagonista negro. A culpa é do site? Lógico que não, eles só constataram algo que é muito cruel perceber. Talvez eu tenha que voltar no tempo para dizer que Efeito Borboleta poderia ter sido protagonizado por Idris Elba, Doze Macacos poderia ter sido protagonizado por Cuba Gooding Jr., O Homem do Futuro por Fabrício Boliveira e tantas outras histórias que poderiam, podem e poderão ter negros sem sofrer qualquer limitação. E se minha viagem der certo, eu juro que aviso ao Fred Hampton que não podemos confiar tantos em todos os nossos amigos e ao Martin que nós ainda temos um sonho. #WakandaForever

Por que não é mimimi?

“Que nada nos limite, que nada nos defina, que nada nos sujeite.” A frase de Simone de Beauvoir tem o contexto de gênero, mas pode ser facilmente utilizada para argumentar a possível alegação de mimimi do texto lido. Ninguém deveria ter limites, principalmente dentro da arte. Imaginar uma viagem no tempo como algo que só pode ser acessado por mentes geniais e não imaginar essas mentes geniais como mentes negras é um enorme exemplo do racismo. Isso pode ser feito sem intenção clara, mas podemos concordar que não é coincidência, afinal, são diversas narrativas e a maioria apresenta a mesma cor por trás dessa grande descoberta. Ninguém quer ser limitado, ninguém quer ser erroneamente definido, ninguém quer ser sujeitado a um mesmo local de exclusão. Você quer isso para você e para seus iguais? Então… não é mimimi.

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