Black Nerd 011 – O cinema nacional não reflete o país. (ou reflete)

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Quando olhamos para os cinemas americanos e vemos ele pecar ferozmente no quesito representatividade, sempre tem alguém que levanta o argumento numérico dizendo que negros nos E.U.A. não são nem 15% da população. Uma calculadora mágica sai do inconsciente do, normalmente, cidadão de bem e todos os argumentos parecem se validar só por que, segundo o mesmo, o cinema está refletindo com veracidade a realidade social norte americana. Cansado disso, resolvi esquecer um pouco a terra do Tio Sam e ver como o nosso cinema tem se portado diante da representatividade do povo negro. Vale a ressalva que os negros aqui são maioria, correspondem a quase 55% da população, mas o cinema, assim como lá fora, não enxerga desse jeito.

Para analisar, usei a lista dos dez filmes com maior bilheteria do cinema nacional, afinal, foram os dez filmes mais vistos e, por dedução, os que mais impactaram o público.

1 – Minha Mãe É Uma Peça 3

2 – Tropa de Elite 2

3 – Dona Flor e Seus Dois Maridos

4 – Minha Mãe É Uma Peça 2

5 – A Dama do Lotação

6 – Se Eu Fosse Você 2

7 – O Trapalhão nas Minas do Rei Salomão

8 – Lúcio Flávio, o passageiro da agonia

9 – Minha Vida em Marte

10 – Dois Filhos de Francisco

Obs.: Retirei da lista os filmes Nada a perder, Nada a perder 2 e Os dez mandamentos por conta da polêmica envolvendo as diversas salas vazias, apesar de estarem com os ingressos todos vendidos.

Você pode me dizer que alguns não brancos protagonizam poucos filmes dessa lista – poderia cravar dois, mas não quero arrumar treta -, mas afirmar que negros tem protagonismo é muito difícil. Talvez o André Ramiro (Mathias) em Tropa de Elite 2, a depender de como você assiste o filme. Isso é muito pouco para um país que tem mais pés negros andando pelas ruas do que pés brancos. O cinema nacional sofre do mesmo mal do cinema norte americano: a pouca preocupação com o que há nas entrelinhas. Fora as cinebiografias “Lúcio Flávio, o passageiro da agonia” e “Dois Filhos de Francisco”, todas as outras poderiam ter protagonistas negros. Mas não tem.

Bonitas e Gostosas, 1978

Achar que o cinema não é um fator de grande influência social é uma opção, o que não muda o fato dele ser. Temos como exemplo disso uma máxima que durou por muitos anos – e ainda dura – de que o cinema nacional era feito somente de baixaria, palavrão e nudez. Isso veio por conta das pornochanchadas que invadiram o cinema na década de 70 se perdurando até o final de 80. As histórias eram simplórias, tinham um apelo sexual e cômico muito forte, o que fez com que a fama do cinema nacional não fosse das melhores entre os próprios consumidores desses filmes. Por isso é comum ouvir que “no cinema nacional só tem palavrão”. Outro ponto que ajudou esse equívoco foram as dublagens de filmes estrangeiros que não reproduziam as “bad words”, dando a impressão que o linguajar hollywoodiano nos filmes era mais polido que o nosso. Triste ilusão.

Vamos fazer um exercício de imaginação: se ao invés de palavrões e sexualidade aos montes, a pornochanchada – no caso, seria outro nome – mostrasse uma série de protagonistas negros em posições de comando, de poder, mostrasse uma sociedade plural e diversa, mesmo que isso não fosse o reflexo do momento – e não era mesmo, estávamos no auge da ditadura militar. A arte não precisa se limitar a realidade, a vida imita a arte, não é a arte que imita a vida. Ter colocado nas nossas cabeças a figura do negro como sujeito agente social seria de um benefício imenso para o hoje, já estaríamos colhendo esse fruto, ao invés de ainda ver o preconceito de pessoas que acreditam que o cinema nacional é inferior a qualquer outro cinema ou que só conseguem ver negros em papéis subalternos ao de atores e atrizes brancos.

Cidade de Deus, 2002

Outras listas com os dez filmes mais bem criticados ou os dez mais bem ranqueados pela ABRACCINE também mostram um desequilíbrio quanto à representatividade racial. Infelizmente, me vem à cabeça que essa exclusão é um reflexo social, assim como a inclusão poderia ser. O lado positivo é que a revolução que trouxe o cinema nacional de volta se fez muito através da inserção de novas narrativas na telona, o que é um bom passo em prol da equidade. Talvez o meu texto em 2070 já tenha um viés positivo de bons frutos colhidos, ou talvez a árvore ainda esteja crescendo. Vale a esperança, mas vale ainda mais o fazer acontecer. #WakandaForever.

Por que não é mimimi?

Uma das grandes armas de disseminação de cultura é o cinema. O nazismo nos mostrou como os filmes e suas intenções grudam na mente do público, reforçando muito mais do que discursos em palanques bem iluminados. Quando vemos um cinema que se omite da sua responsabilidade de mostrar uma pluralidade racial, vemos um público que nega a importância desse debate. Olhar para o passado e entender o que poderia ser feito é importante, mas não é eficaz. Repito, muito já se tem feito, mas ainda há uma lacuna grande e ela continua impedindo que muitas histórias não só sejam contadas, sejam compreendidas. Acho que todos ficaremos satisfeitos com um cinema nacional com uma cara mais nacional. Não dizem por aí que BR é BR? Então… não é mimimi.

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