
A última década consolidou os filmes de super-herói nos cinemas, tornando personagens desconhecidos como os preferidos de pessoas que não tinham o hábito de ler quadrinhos. SuperMan, Batman, Homem-Aranha, Capitão América, Mulher Maravilha, todos esses nomes já eram populares e já figuravam festinhas infantis ou capas de caderno, porém, não seria possível sustentar tantos de anos de audiovisual só com heróis e heroínas que estivessem na cabeça do público. Assim vieram a luz do mainstream Capitã Marvel, Ciborgue, Pantera Negra, Feiticeira Escarlate, Homem de Ferro, Soldado Invernal, Viúva Negra e outros que, já não trajados de colan, deram corpo e forma para esse sucesso no audiovisual.
Desde o sucesso de Blade – sim, ele foi o primeiro personagem dos quadrinhos a fazer sucesso no cinema e nós temos um texto sobre isso aqui – todos os tipos de formatos e experimentações já foram usados com estéticas heroicas. Fantasia, drama, terror, comédia, épico… São mais de dez anos de pura criatividade e podemos afirmar que o ápice disso veio em Vingadores Ultimato, com a cena mais George Perez que o cinema poderia nos dar, ao fazer uma quantidade quase infinita de super-heróis enfrentando o poderoso Thanos. A questão é que após o clímax vem o desfecho. E aí?
O autor Michael Peixoto traz em seu artigo sobre cinema contemporâneo a necessidade de uma revisão estética para evitar o desgaste. Você, Nerd, já deve estar um pouco saturado dos filmes de heróis, né? Os trailers são iguais, as motivações, as estruturas, filme de super-herói não é mais um subgênero dos filmes de ação, viraram o próprio gênero. E nessa necessária reinvenção, que já pode ser percebida em passos lentos, é onde acharemos o iluminismo citado no título do texto.
O iluminismo, movimento ocorrido no século XVIII, tinha como raízes um distanciamento do conhecimento fincado na fé e oriundo da igreja e de outras classes sacras. Os ideais iluministas queriam que a razão fosse o norte das descobertas e que o conhecimento surgisse de observação e experimentação. Após uma década de cinema de super-herói, vimos as obras adentrarem um mundo muito mais realista do que fantasioso, traçando paralelos e mostrando possibilidades reais, como uma mulher em luto pela morte do marido não perceber o mal que está causando para pessoas ao redor ou um militar americano com sangue nos olhos para matar um terrorista. Os personagens que mais “carregam” o iluminismo são os vilões, pois vários deles tem discursos tão racionais que nós preferimos não entender, já que estamos imersos a capa esvoaçantes, raio dos olhos e prédios sendo erguidos por braços. “Que nada! de realidade eu já tenho a minha.”
Vingadores – Ultimato e Aquaman já trazem vilões com ideais muito racionais. O gigante púrpura percebeu que a humanidade não sabe lidar com recursos naturais e que é preciso que 50% dela desapareça para que os outros 50% viva em abundância. É uma punição da sociedade para ela mesma, pois isso não estaria em seus planos se todos conseguissem entender a importância do amanhã. Lógico, o genocídio nunca é uma opção, mas seu pensamento é lógico e racional, assim como o irmão do Aquaman, Orm Marius, o mestre dos oceanos, que quer travar uma guerra contra a Terra por já estar cansado de vê-la destruindo o seu lar. Lembro de assistir esse filme com meu pai e ele verbalizar o quanto entendia o vilão, seria como se invadissem a sua casa, você reagisse e, no fim, você sair como errado. Os dois discursos são bem racionais.
Podemos citar também J.J. Jameson, que pra mim é o principal vilão do Homem-Aranha. Se sua fala fosse calma e tranquila, talvez conseguíssemos perceber que ele só quer mostrar o quão perigoso é acreditar numa pessoa de máscara e super-poderosa, sem sequer imaginar que ele pode ter motivações por trás de seus bons atos ou que, uma vez que seja do lado do bem, pode influenciar outras pessoas com objetivos mais exclusos a agir da mesma forma. Porém, não há mais iluminista do que o Lex Luthor. O vilão careca e ardiloso do SuperMan quer romper com qualquer ideal divino e sagrado, não acredita que um salvador pode vir dos céus e é cegamente conduzido pela razão, na figura de tecnologia e dos negócios. Lex traz um pouco de Rousseau consigo ao afirmar que o SuperMan alguma hora irá se rebelar, uma vez que o convívio social e o peso da responsabilidade e do poder podem “estragar” qualquer ser, seja humano, seja criptoniano. Alguns vilões são mais racionais do que os heróis, ou mais racionais que nós.
Acredito que essa seja a solução pro audiovisual, a renovação desse gênero passará muito pela ideia de vermos vilões (ou antiheróis) sendo protagonistas de suas próprias histórias. Já é assim com Venom, Coringa, Loki, Morbius, o futuro filme do Kraven… Ninguém se assustará se a DC confirmar um filme do Lex Luthor ou se a Marvel produzir uma série sobre a origem do Thanos. É muito interessante perceber que o discurso do vilão não precisa ser mais explanado no terceiro ato das narrativas, mas sim diluído racionalmente ao longo da história. Bem-vindos ao vilãominismo. #WakandaForever