
Uma das revoluções do audiovisual que estará nas apostilas de Universidades de Cinema terá o título de A.N. e D.N., antes da netflix e depois da netflix. A popularização dos streamings e o modelo que faz com que o próprio consumidor construa seu horário, não precisando ficar refém da grade de TV, deu tão certo que foi replicado por empresas que, anteriormente, nem tinham relação com produtos como filmes, séries, etc. Assim a Apple e a Uol, a Amazon entrou num campo novo tateando as possibilidades de fisgar assinantes e surfar na onda que havia se formado após a Netflix nascer. Hoje em dia, a concorrência é enorme e cada vez mais os streaming estão parecidos. A Amazon Prime Video que se destacou pelo seu preço – apenas 9,99 – agora tenta seduzir um público que está cada vez mais crescente na exigência de material audiovisual que o represente, que conte a sua história… ou melhor, a nossa história. Alguém finalmente percebeu que o black money também é money.

O Prime Video tem um catálogo bem extenso, mas eu vou me focar somente nos originais, nos que custaram a grana do bolso do Jeffinho para entendermos que um streaming mainstrem (leia essas expressões com o som rápido do hino da Grã-Bretanha ao fundo) enxergou nos negros um público consumidor. De antemão, preciso discutir também sobre como o capitalismo engole os manifestos sociais, transformando tudo em moda, tudo em consumo. Foi assim com a aceitação dos corpos gordos e do cabelo crespo, foi assim com o vegetarianismo e com o veganismo, com a popularização dos nerds e está sendo assim com as pautas raciais. Sendo assim, brigar para que o capitalismo não lucre em cima da luta por representatividade é uma briga perdida, o possível é criar mecanismos para que negros façam parte das etapas de produção e que sejam o público-alvo dos produtos oriundos dessa “consciência” monetária.
A Netflix tentou emplacar algumas séries com temática negra, até conseguiu algum sucesso, principalmente de crítica, mas sua estratégia de pulverizar lançamentos até um cair no gosto popular, acaba escanteando muito material que, com o devido foco, faria o público olhar com mais carinho. Já a Amazon Prime se permite lançar uma série de cada vez. Seus produtos originais não se atropelam e essa estratégia – nem melhor e nem pior – conseguiu fazer com que Them e Underground Railroad entrassem na mira de muitos espectadores. Them é um terror psicológico que conta a história de uma família negra na década de 50 indo morar num bairro branco dos E.U.A.. Se a situação por si só já não fosse de dar medo, ainda piora quando percebemos que cada integrante está sendo perturbado por alguma entidade sobrenatural que tem o objetivo de atormentar a vida de negros. Essa entidade no mundo real é chamada de polícia – piadinha só pra descontrair -. Já Underground Railroad conta a história real da ferrovia subterrânea que ajudava os escravizados a fugirem. As duas séries trazem arcabouços históricos, representatividade, diversidade narrativa, pessoas negras em suas produções… trazem boa parte das reivindicações da comunidade negra sobre a relação com o audiovisual.
Existem diversos outros canais de streaming que tem o foco total em produções feitas pela comunidade negra. Wolo TV, AfroFlix, Lab Fantasma TV, Iroko TV, Tela Preta TV são alguns exemplos deles, apresentando um conteúdo original e de muita qualidade. Cito a Amazon somente pelo tamanho dela e por entender que sua dimensão global faz com que essas duas séries cheguem a mais pessoas. Há quem ainda afirme que o que ela está fazendo é se aproveitar de uma pauta que não há pertence, principalmente por apresentar séries onde os negros sofrem muito. Porém, o Brasil é prova viva de que não falar de racismo ou de forçar uma falsa democracia racial não funciona, anos escondendo o racismo no tapete deu no que deu. E, como falamos anteriormente, o capitalismo é muito poderoso, não estar nele é quase como não existir. Them já está renovado para uma segundo temporada, Underground Railroad ainda está colhendo os frutos do trabalho bem sucedido e já estamos próximos da estreia de Manhãs de Setembro, série que traz Liniker como protagonista e promete abordar a complexidade e as dificuldades de ser uma mulher trans e negra tentando um lugar ao sol. Agora é esperar e ver quais serão os próximos projetos que conquistarão nosso rico e preto dinheirinho. #WakandaForever.