Carta Aberta 001 – Carta aberta à Paixão

Bom dia, Paixão

Resolvi não usar algum pronome de tratamento por não saber exatamente qual seria o mais adequado para a ocasião. Aprendi nas aulas de português a melhor forma de me referir a autoridades da política, da igreja, do trabalho, mas ninguém nunca me ensinou como falar com os meus sentimentos. Acho que a escola falha ao falar sobre bhaskara e esquecer do amor. Ou melhor, da paixão.

Paixão, sabe qual foi a última nova banda que eu virei fã? … também não lembro, é que estar envelhecendo significa perder algumas capacidades que eram super naturais. A gente desaprende a arte de fazer novas amizades, sempre há uma relutância a mais na hora de começar uma nova atividade física ou se matricular em cursos, sei lá, parece que a gente cansa um pouco do mundo. Por isso te escrevo para agradecer o fato de você, Paixão, não ter me esquecido. Tinha certeza que me apaixonar de novo seria mais difícil do que não me chatear com um filme que termina com exposição do plano do inimigo – ver os mesmos filmes também é um sinal de velhice -, mas o destino me mostrou que meu coração está mais jovem que eu. E nessa grata surpresa, você, Paixão, reapareceu.

E você aí que está lendo, não ache que me refiro a Paixão como um daqueles apelidos carinhosos que nascem nos relacionamentos, quase sempre no diminutivo ou com alguma referência a um animal de feições mimosas. Não, falo da Paixão que pode habitar em todo mundo e que por muitos minutos – somados talvez sejam meses – achei que ela estivesse ido embora. Lembrar de alguém pelo sorriso, mesmo em tempos mascarados, ou querer morar em um determinado abraço, sentir a memória rindo por percebê-la vindo… calma, Paixão, eu estava meio aposentado, tenho que ir aos poucos, nenhum boi gosta de enxergar carruagens a sua frente.

#PraCegoVer Imagem mostra a queda d’água da Cachoeira da Fumaça. Uma imensidão de natureza verde e montanhas cobertas de plantas.

Já ouvi e já contei tantas histórias, mas uma bem recente me foi uma boa professora. Cachoeira da Fumaça, conhecem? Um local que nem parece estar no nosso planeta, se você já assistiu A Aniquilação – que exemplo animador kkkkkk – sabe do que estou falando. É o lugar que existe após o brilho, após a Cor Que Caiu do Céu, se suas referências forem mais lovecraftianas. Até chegar a tal cachoeira são seis quilômetros de andada, dois de subida e depois mais quatro. Eu poderia tentar encurtar esse caminho? Poderia. Poderia mentalizar que os dois quilômetros de subida virassem um? Poderia. Poderia sair saltitando e correndo para que chegasse logo ao meu destino? Poderia. Porém, o que me fez contemplar com calma e serenidade a beleza da Cachoeira da Fumaça foi entender que o caminho era pavimentado de paciência e sabedoria. Aprender que a jornada é tão valiosa quanto o destino, me fez celebrar estar em contato com aquelas águas que, de tão altas, nem tocam o chão, voam com o vento. A Cachoeira da Fumaça me fez perceber, Paixão, que eu só te alcançaria se meus passos fossem sábios e as minhas asas entendessem que voar em par é bom, mas esse voo fica melhor ainda quando os dois pássaros entendem a leveza do voar.

Pois bem, Paixão, se não tiver fazendo nada, pode me visitar. Talvez você venha vestida de uma vista ao pôr do sol, de cineminha ou de almoço a luz de velas, não sei, venha do que jeito que se (me) sentir melhor. E eu já entendi a falta de um pronome de tratamento, é que não trato meus amigos com formalidade e, nesse momento, saber que você ainda existe em mim, transforma você, Paixão, em uma valorosa amizade. É bom ter ver (ter) de volta.

Um abraço apertado, um coração batendo acelerado, as palavras de um apaixonado

Anderson Shon

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